15.2.09

O piloto e a preparação física

A muito tempo a revista Autosport publicou um texto muito interressante em relação a preparação fisicas e as condições a que são submetidos os pilotos de Formula-1. Eis a materia abaixo deem uma lida apesar de longa é muito legal.


Praticamente deitado, preso num minúsculo habitáculo pelo cinto de segurança, invadido pelo calor sufocante, sacudido pela trepidação e "esmagado" pela poderosa força G, com o motor rugindo bem alto, o piloto tem pela frente quase 120 minutos de intenso desgaste físico e emocional, enfrentando um dos maiores desafios a que um ser humano está sujeito. Como aguenta? Será que é um super-homem ou apenas alguém dotado de uma capacidade física e mental acima do comum mortal? Vejamos o que enfrenta e como se prepara para esse desafio.

No próximo domingo (um qualquer domingo no futuro...), o mundo estará preso das emoções que um GP de F1 sempre traz. Os mais felizes estarão no autódromo vibrando 'in locco' com as sensações produzidas pela agitação frenética que antecede uma corrida. Outros, menos afortunados, estarão reclinados no sofá, assistindo calmamente através da "caixa que mudou o mundo" a toda a azáfama própria do acontecimento.Durante a próxima 1h45m, nada nem ninguém os tirará dos seus lugares.

E afinal como se sentem os protagonistas deste enredo? Estarão eles prontos para enfrentar mais um desafio? Claro que sim! Mas como?

O que muitos ignoram é que, apesar da série de treinos a que as equipas são submetidas, a preparação dos pilotos começa bem longe das pistas, ainda na pré temporada.Tendo integrado a equipe responsável pela assistência médica no GP's brasileiros de 2003 a 2005, especialista em Ortopedia e Traumatologia e Medicina Desportiva, o brasileiro Ari Zecker considera que "Há quem pense que, por passar grande parte do tempo sentado, o piloto de Fórmula 1 quase não faz esforço físico.

A necessidade de concentração e a rapidez que é exigida dos reflexos devido à alta velocidade obriga que os atletas sigam um intenso programa de treino físico, intercalando exercícios de resistência e hipertrofia muscular com exercícios aeróbicos para manter o condicionamento físico".


Outro fator que exige resistência e força do atleta é a ação da gravidade. Ao atingir altas velocidades, a gravidade que atua sobre o corpo do piloto é de cerca de 5 vezes o seu peso. A aceleração "achata" o piloto dentro do carro e quando este trava, a força de desaceleração provoca uma enorme compressão dos órgãos contra a caixa torácica.


O conjunto capacete, sistema Hans e cabeça podem pesar até 7kg. Durante a corrida, o pescoço suporta em média uma força que ronda os 24kg.!!!!!

Existe ainda uma ação significativa sobre os ombros que mantém o braço e antebraço em posição de condução.A resistência nos pés e pernas também é importante, pois o piloto estará durante todo este tempo sem uma significativa movimentação dos membros inferiores.O resultado final é uma conjunção de fatores técnicos, físicos e psicológicos, que obrigam o piloto a uma musculatura excepcional no pescoço, braços, antebraços, costas, coluna vertebral e abdômen para sustentar os efeitos adversos a que está sujeito, sem falar no esforço mental, quer a nível de concentração pura, como ainda à resistência ao "stress", quer pela pressão exercida durante a prova, como à que "teve" muitas vezes que enfrentar antes desta.


A tensão a que está sujeito, origina batimentos cardíacos próximos do limite, na ordem dos 150 a 170 batimentos por minuto (bmp's) durante cerca de 1h e 45m.Um ciclista no Tour de France, aguenta durante 4 horas uma batida nos 140 e um maratonista durante 2 horas está nas 150 a 160 batidas, mas sem a pressão mental de um piloto de F1. Não existe nenhum outro esporte onde seja exigida tanta concentração e onde a adrenalina seja bombeada na circulação com tanta intensidade.

O desgaste físico é também agravado pela perca de líquidos e consequente desidratação, devido às altas temperaturas sofridas dentro do cockpit.Nos anos 80, Ayrton Senna foi pioneiro na prática de desportos complementares e exercícios físicos adicionais como parte da preparação física e mental necessária para as corridas.

Antes, um piloto comparecia aos testes, corridas e eventos publicitários sem preocupações quanto à sua forma, sendo que nos remotos anos 50 e 60, até era possível encontrar alguns "gordinhos" como era disso exemplo o argentino José Froilan González, que entre outras vitórias conta o GP de Portugal de 1954, disputado em Monsanto, ao volante da Ferrari 250 MM.

A título de exemplo, os pilotos da Ferrari são quase "obrigados" a fazer esqui, já que faz parte do contrato passar férias no resort da empresa nos Alpes italianos. Rubens Barrichello aproveitava a oportunidade para vencer Michael Schumacher nas corridas em trenós motorizados. Este último levava sempre o seu preparador físico para as corridas e Fernando Alonso é um dos actuais pilotos que leva muito a sério a sua preparação física.

Um dos pilotos com melhor preparação física é Jenson Button que não contente com o seu treino pessoal ainda compete regularmente em eventos de triathlon para melhorar a sua forma.

Num evento realizado no Reino Unido, em Sevenoaks, obteve um impressionante 16º lugar entre 250 atletas.Segundo Mike Collier, seu preparador, cada uma das fases do triathlon exige do corpo diferentes aspectos, preparando-o assim de uma forma global.Na fase da natação, a ênfase recai na parte superior, particularmente ombros e triceps.No ciclismo e corrida são os membros inferiores que se sujeitam a um movimento, que aliado ao dos braços aprimora a estabilidade, flexibilidade e coordenação.


Para apurar a concentração mental e treinar o tempo de reação de um estímulo cerebral é utilizado o "BATAK". Essencialmente, trata-se de um aparelho em que diversas luzes se acendem aleatoriamente e o piloto tem que as tocar para se apagarem.Curiosamente, Button detém a marca de 114 toques e Kovaleinen, 121, em apenas 60 segundos. Um piloto de um caça atinge a excelente marca de 100 toques, considerado um bom resultado.


Já em 2001, Filipe Massa, mantinha uma rotina de três horas e meia por dia de treino físico, que inclui pelo menos 1 hora de passadeira ou bicicleta, além de diversos exercícios musculares de resistência, já que a ideia base não é a de aumentar a massa muscular, aliás contra producente já que um piloto de F1 deve manter uma certa "estreiteza" pois o cockpit não permite indivíduos corpulentos.




No seu preparo físico, devem incluir-se alongamentos (também importantes antes e depois da prova), principalmente dos músculos posteriores da coxa, evitando inflamações e dores nos joelhos, algo frequente devido à posição e movimentos dos membros inferiores.




Os lombares são também um elemento fundamental, quer pela posição semi-deitada do piloto, quer pelas vibrações sofridas que são transmitidas pela carroçaria à região dorsal e posteriormente à coluna, quer ainda pela força exercida pelo piloto nesta região durante as curvas.Mark Webber sofreu no início da temporada de 2005 uma fractura de costelas sem trauma directo na região. Durante as 2 primeiras provas desse ano, competiu com uma lesão em duas costelas, originada na pré temporada, em Barcelona, e não fosse o tratamento de Fisioterapia e os analgésicos e não teria conseguido correr na Austrália e Malásia.

A posição no cockpit do Williams FW27 não estava totalmente adequada, levando a que uma pressão anormal fosse transmitida sobre esta zona, ocorrendo duas lesões, uma a nível da cartilagem, numa das costelas afectadas e a outra, uma fractura. Isto tudo devido à força G transmitida.

Sentados no sofá a ver uma prova de F1, com uma cerveja bem gelada na mão, somos imediatamente capazes de criticar um ou outro erro de um piloto e se o "nosso" favorito se despista e bate, de pronto achamos que no seu lugar teríamos sido capazes de evitar o acidente.Mas a realidade é bem diferente.Quando Kovalainen saiu em frente em Espanha, a cerca de 280km/h, o carro desacelerou com uma força G equivalente a 26 vezes o peso do piloto.

Agora imagine-se o seguinte cenário: o seu corpo está estático devido aos 5 pontos de pressão dos cintos de segurança e do sistema Hans. Os órgãos internos continuam a viajar a 280km/h e atingem violentamente os limites da caixa torácica. Este impacto é suficiente para matar instantaneamente o ser humano que se encontra sentado no sofá.Mesmo não pensando numa batida, não nos esqueçamos que um F1 a 185km/h pára em 3,5s num espaço de apenas 80m, sofrendo o piloto uma força de 4G's.

Não sendo exactamente um super-homem, pode-se afirmar também com propriedade que um piloto não é um ser humano normal. O rigoroso e intenso treino a que está sujeito, bem como a dieta a que se submete, contribuem para uma forma física invejável que, caso um acidente destes ocorra, minimizam os danos e favorecem claramente a sobrevivência do piloto.

Quando se menciona a palavra atleta, pensa-se de imediato num corredor, num futebolista ou alguém semelhante, mas raramente associamos à imagem de um piloto de F1. E este ainda acrescenta a capacidade mental fora do comum!

Quando a função de um piloto é "apenas" sentar-se e conduzir, fica difícil imaginar que é capaz de afinal ser um atleta mais completo que os restantes. Se voltarmos a pensar em Button, que conseguiu a fantástica marca de 2 horas, 22 minutos e 43 segundos numa prova olímpica que é composta por 1500 metros a nadar, 42km de bicicleta e 10km a correr, então talvez seja altura de os "ver" com outros olhos.


O exercício físico cobre a cabeça, pescoço, coração (cardiovascular), muscular (tonicidade, alongamento e fortalecimento), tronco, braços e pernas.O pescoço é considerado como uma zona vital e particularmente sensível e se tomarmos em conta que hoje em dia o sistema Hans é obrigatório, teremos então a noção da sua importância.

Quando um carro curva, o piloto sofre uma força G que pode atingir o valor 5. Com este valor, o pescoço sofre um peso de 35kg. Se nos lembrar-mos que na chicane antes da recta da meta, em Magny-Cours, os carros são violentamente chicoteados, chegando a saltar por força da passagem em cima dos correctores, é fácil perceber que apenas com exercício físico apropriado se consegue resistir a tal exigência.Para se ter uma noção da grandeza de valores, imagine-se o que será andar com 5 extintores de 7Kg ao pescoço durante 2 horas!Para o exercitarem, basicamente usam um conjunto composto por elásticos desenhados para o efeito, presos a um capacete. O piloto terá então que resistir aos puxões dos elásticos efectuados em diferentes ângulos. Em alguns treinos é simulada, durante uma hora e meia, a sequência de curvas do próximo GP.

Heikki Kovalainen mede apenas 1,70m de altura, mas o seu pescoço, tal como o de outros pilotos, é desproporcional, medindo 42cm. "Se comprar uma camisa pela medida do pescoço, ficarei com os punhos da manga junto aos dedos." comenta o piloto.

Outro importante factor é o coração.Uma pessoa saudável tem um batimento normal de 70 bpm's. O coração de um piloto bate entre 45 a 50 mas durante os breves segundos em que o semáforo vai efectuando a contagem regressiva para a partida, atinge os 190 bpm's, chegando durante a corrida, em momentos de pura adrenalina, perto dos 200.Este esforço enorme dura cerca de 2 horas e só um coração extremamente forte consegue resistir a uma pressão sanguínea 50% superior ao normal, durante tanto tempo seguido.

Acresce a estas condições o facto de o piloto estar preso por 5 pontos de pressão, que lhe aumentam a dificuldade em respirar e a pressão sanguínea na cabeça, a um habitáculo reduzido, quente e barulhento.

No GP da Malásia é frequente obterem-se temperaturas de 40º C e humidade na ordem dos 80%. Até um piloto treinado sairia do cockpit e simplesmente cairia desmaiado e desidratado devido à perda de cerca de 3 litros de água. A desidratação origina uma diminuição do tempo de resposta por atrofia muscular e gera confusão mental por redução da actividade cerebral.


Durante a corrida, o piloto bebe cerca de 1L de uma mistura energética que contém sais vitais ao organismo, numa tentativa para minimizar os "estragos" originados pela perca de líquidos.
Para que o coração resista a este esforço, os pilotos treinam intensivamente de Novembro a Março, e durante a época de corridas, mantém um treino de 6 dias por semana, duas vezes por dia, com uma fase muscular, geralmente durante a manhã e uma aeróbica no período da tarde, consistindo em corrida, cross-training, jogging e ciclismo, entre 2 a 3 horas.
Como parte do seu treino de Inverno, Kovaleinen corre em Novembro a Maratona de New York.Adicionalmente, toda a estrutura muscular, que contempla o tronco (costas e peito), braços e pernas, deve ser preparada para resistir ao esforço dispendido na condução de um carro com 750 hp's e o peso de um Mini Cooper.
Toda a vibração de um F1 em plena potência é transmitida através da baquet para a coluna cervical e costas. Os músculos devem ser fortes mas nunca grandes, pois isso seria extremamente prejudicial, já que se pretende tonicidade e elasticidade, não volumetria.Por exemplo, retornando a Kovaleinen, o seu treino de braços é feito com ele sentado numa bola de ginásio enquanto mantém nas mãos um disco com 5kg que vai rodando como se de um volante se tratasse. Este exercício gera uma concentração de ácido láctico, aumentando a força e resistência a longos períodos de tempo sem criar volumetria muscular.
Para parar um F1 a 320km/h é necessário que as pernas exerçam uma força de 80kg, o que sucederá durante 1500 vezes ao longo de uma corrida.Tal como nos restantes músculos, pretende-se tonicidade, força e elasticidade. Para tal, o piloto usa um aparelho vulgarmente chamado "prensa" e carrega-o com 90kg. Na posição de sentado, num ângulo de 30º, coloca os pés numa base apropriada e empurra o peso para cima e para baixo, num movimento sequencial controlado, sem nunca deixar pousar o peso.
Mas o cérebro, permanentemente em alta actividade, é a chave para que tudo funcione em perfeita coordenação e distingue estes de outros atletas no mundo do desporto.A maioria entra num estado meditativo e de grande concentração, antes da corrida. Percorrem mentalmente o traçado, analisando os procedimentos para cada curva, os pontos de travagem, a trajectória ideal, cada apex e ponto de aceleração, virtualizando cada volta ao pormenor.
Ajudados pelos melhores profissionais nesta área, são treinados a recorrer a técnicas de respiração, acalmando a mente e ajudando-a a permanecer num estado de isolamento e alheamento sobre o que se passa à sua volta e os possa desconcentrar nos momentos que antecedem uma largada.
Apesar de aos nossos olhos se tratar de uma atitude indesculpável, talvez agora se perceba melhor o empurrão que Kimi Raikkonen deu a um fotógrafo nos momentos anteriores ao GP de Silverstone, quando este lhe tentou tirar uma foto a meio metro de distância, "invadindo" o seu território e desconcentrando-o.
Tendo já trabalho entre outros com Olivier Panis e Fernando Alonso, Riccardo Ceccarelli, médico da clínica Formula Medicine, do desporto italiano, efetuou vários estudos a partir das informações fornecidas por aparelhos de medição ligados ao corpo do piloto e afirma: "Á partida para um GP, o batimento cardíaco já se encontra a 150 bpm's. É pura adrenalina. A largada é extremamente stressante para o piloto. Nas primeiras voltas já está a 170 bpm's e o mesmo se passa durante uma ultrapassagem ou quando tem que puxar mais pelo carro. Quando está a manter uma posição, cai para 150 bpm's."Muitos processos ocorrem em simultâneo, requerendo a atenção do piloto.
O actual volante mostra um conjunto vasto de informação crucial; atrás de si encontram-se outros pilotos, bem como à frente, e está constantemente a avaliar a distância e performance que os separa de si; mantém uma atividade mental acima do normal, completamente focada nas trajectórias; sendo os olhos e ouvidos da equipa, mantém ao longo da corrida um dialogo com esta, adaptando a sua estratégia às condicionantes e variáveis que podem ocorrer; mantém-se informado sobre tempos, posições, estratégias adversárias, velocidades, tempos sectoriais e outras instruções relevantes.
Imaginam outro desporto onde a capacidade mental seja levada a tal extremo durante duas infindáveis horas?Quando se desconhecem todos estes factos, somos tentados a dizer que um piloto "apenas" tem que se sentar num carro altamente tecnológico e conduzi-lo. E os que souberem conduzir melhor serão "la crème de la crème".
Talvez agora, pensemos 2 vezes antes de apressadamente julgarmos um piloto, pois apesar da óbvia importância de saber conduzir, descobrimos que afinal isso, por si só, não basta.
Fonte:Autosport2004

Nenhum comentário: