13.12.09

Infância de Ayrton Senna

Ainda fazia um calor de angustiar naqueles dias de outono de 1960. Eu me preparava para ir me deitar quando senti que alguma coisa de anormal estava acontecendo comigo: me assustei com o incontrolável desejo de urinar. Na época ainda havia muitos tabus e a gente não tinha grandes informações. Tanto que confundi o rompimento da bolsa com a minha micção. Eram 9h30 da noite do dia 20 de março de 1960. Contei ao meu marido da perda exagerada de líquido e do princípio de cólicas. Tentamos avisar o doutor Carizzatto, velho médico da nossa família e que já tinha assistido minha mãe no meu nascimento, mas não o encontramos. Foi a Antonieta, experiente parteira do médico, que afinal diagnosticou o rompimento da bolsa, quem ordenou que eu fosse imediatamente para o hospital e maternidade Promater. Enquanto partíamos do bairro do Tucuruvi (Zona Norte de São Paulo), Antonieta conseguiu tirar o médico de uma mesa de pôquer — numa noite de sorte — para me atender.

Como eu já era mãe de uma menina, a Viviane, torcia por um filho. Tudo correu muito bem e às 2h45 do dia 21 de março de 1960 Ayrton nasceu. Foi o único dos meus três filhos que veio ao mundo de um parto seco (a bolsa já havia se rompido) e, que ironia, justamente ele que seria um campeão especialista em vencer no molhado. O primeiro comentário sobre o meu filho foi feito pela Eunice, minha cunhada, e ele era pouco animador. Ela me disse: — Zazá (meu apelido em casa), você ganhou um menino. É homem o seu filho. E sem tomar nem fôlego me alertou: — Olha, não quero te assustar, mas ele é muito feinho. Eu tive que rir, nunca esqueci a sinceridade dela e fiquei curiosa para ver o meu filho. Olhei o neném, todo enrugadinho, com o rosto semi-encoberto e só com a boca à mostra, que me pareceu enorme, mas não o achei tão feio. O nome foi outro parto. O Ayrton saiu de uma lista de mais de 20 sugestões e só se chegou a um consenso porque já estávamos no último dos dez dias que o cartório estipula como prazo para o registro. De Ayrton surgiu "Beco", um diminutivo oriundo da dificuldade da minha sobrinha Lilian em pronunciar o nome do novo primo. "Becão" foi o apelido assumido por ele. Mas havia outro que nem gosto de comentar e para o qual apelei apenas uma única vez em público. Foi em desespero de causa, na decisão da F-3 de 1983, em Snetterton. Naquele dia havia um clima de suspense na corrida. O Beco ia disputar o título com outro piloto inglês muito bom (Martin Brundle). Eu estava um tanto ansiosa e nem fomos vê-lo antes da corrida, para não deixá-lo tenso. Ele ganhou. Então fomos chegando mais próximo da zona onde ele teria que passar depois de ter recebido a bandeirada. (...) Se eu simplesmente gritasse o nome dele, ele não atenderia, tal era a multidão e a correria. Eu pensei, pensei, olhei meu filho vitorioso dentro do carro já sem capacete e foi aí que me ocorreu a única forma de ser ouvida por ele daquela distância de 30 metros. Enchi o peito de ar e de coragem e gritei a plenos pulmões: — Macacôôôôôô!!! Imediatamente ele nos olhou, riu e acenou para nós. O Milton, meu marido, que às vezes o chamava assim porque o Ayrton comia muita banana, não gostou e reclamou: — Onde já se viu chamá-lo assim na frente de todos? Eu não achei nada de mais. Afinal, ali na Inglaterra, quem iria entender aquele grito de mãe? Na verdade, o pai sempre teve a mania de colocar apelido em todo mundo. Como o Ayrton e o irmão Leonardo gostavam muito de bananas, ele brincava de chamar um de macaco e o outro de sagüi. E foi por essa sua mania que o Milton acabou sendo o Gibão para os íntimos, apelido carinhoso dado pela minha filha Viviane. O Ayrton sempre foi inquieto. Magrinho mas saudável, e muito desajeitado. Vivia sempre machucado. Não conseguia subir uma escada com mais de três degraus sem tropeçar. Sorvetes, comprava logo dois, porque um sempre acabava no chão. As trapalhadas do Beco me preocupavam tanto que resolvi levá-lo a um neurologista. Desconfiava da sua coordenação motora e resolvi submetê-lo a um eletroencefalograma. Felizmente, não havia nada de anormal com o menino. Os meus receios diminuíram quando o Ayrton, com 10 anos, me ensinou a colocar marcha-à-ré num carro hidramático que eu não sabia como manobrar. Depois, quando vi meu filho, que mal alcançava os pedais, dirigir com incrível facilidade um jipe pela fazenda, lá em Goiás, mudei de opinião e parei de me preocupar com seu jeito desastrado. Na verdade, ele era desajeitado por ser veloz. Aprendia tudo muito rápido e queria executar imediatamente. Não tinha noção do espaço que ocupava e jamais ficava quieto. As mães sempre acham que seus filhos não se cuidam o suficiente. Mas, quando o Beco partiu para a Europa, em 1981, para correr de F-Ford e se dedicar ao automobilismo, eu falei para ele que não ia lhe dar nenhum conselho especial. Meu coração de mãe sentia que a vontade dele era tão forte que só aquela carreira o faria feliz. Apenas beijei-o e disse: — Eu te cuidei até aqui. Agora te entrego nas mãos de Deus. Ele vai guiar você. E Deus fez a Sua vontade.

Fonte: internet

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