'Na Fórmula 1 não há amigos'
Fã de Ayrton Senna, o espanhol Fernando Alonso tem um só objetivo: vencer. E diz que não tem medo de morrer na pista, como seu ídolo
"Considero amigos apenas algumas poucas pessoas do tempo de colégio. Na Fórmula 1, o Felipe seguramente é um dos melhores"
Ganhar, ganhar, ganhar. É só nisso que o espanhol bicampeão do mundo Fernando Alonso pensa. “Não é fácil ver alguém que não seja você comemorando a vitória no domingo.” Calmo, às vezes até sorrindo, sempre atento às perguntas, o piloto número 1 da Ferrari conversou com o site de VEJA às vésperas do GP Brasil, no reservado da Ferrari no paddock de Interlagos, quando ainda tinha muitas chances de faturar mais um título – o terceiro – e mais uma vez no Brasil. Disse que a experiência o acalmava num momento-chave do campeonato e não pensava em recordes, mas apenas em vitórias. Sem querer parecer bom moço, não titubeou ao falar das difíceis relações dentro da Fórmula 1: “Amigos? Apenas alguns do tempo de colégio.”
Em 2001, quando entrou na Fórmula 1, imaginou que seria possível conquistar duas vezes o mundial?
Não, quando se começa em uma equipe pequena, com poucas possibilidades, é praticamente impossível de acontecer. Para ganhar um campeonato é necessário um conjunto de coisas: a melhor equipe, o melhor carro e, claro, muita sorte. Por isso, vencer dois campeonatos já era algo impensável.
Há diferenças entre os títulos?
O primeiro é uma surpresa, é algo para viver com muita intensidade, porque não sabemos se vai se repetir. É o máximo como piloto profissional. Daí, no ano seguinte você não quer perder, se torna muito competitivo. No primeiro título, o nível de stress é maior quando se aproxima da decisão. Agora, estou mais acostumado.
E agora o que falta?
Não tenho nenhum objetivo traçado. Cada ano que começa quero vencer corridas e ser campeão. Não tenho nenhum objetivo, tampouco algum número na cabeça. Mas tomara que venham muitos campeonatos. Não é legal chegar no domingo e ver outra pessoa no pódio comemorando.
Você tem medo de morrer na pista?
Não quando estou no carro. Medo da morte todo mundo tem em algum momento, todos queremos viver muitos anos e com muita saúde, mas é algo que não planejamos. Tem de aproveitar todos os dias e viver muito feliz.
Quais lembranças tem de Ayrton Senna?
Quando ele estava ganhando, a Fórmula 1 não era tão importante na Espanha, as corridas não eram exibidas na TV. Mas sempre foi o nome que mais ouvi. Lembro quando tinha 7, 8 anos, ele era sempre o favorito. Na minha cabeça ficou que ele é o melhor piloto de todos os tempos.
Quais são as diferenças da Fórmula 1 daquele tempo e da atual?
Hoje os carros são mais limitados, mais ou menos todos iguais. Os tempos são muito parecidos.
No filme, Senna diz que “competimos para vencer; se não se arriscar na pista, então não é mais um piloto de corrida”. Você concorda?
Sim, ainda que a Fórmula 1 tenha mudado nesse sentido. Com as poucas oportunidades de ultrapassagem que temos, não se pode deixar de aproveitá-las. Tem de correr risco para se sentir um piloto. Mesmo assim, todos os movimentos são calculados, senão pode haver uma tragédia.
O que deixaria as corridas mais interessantes?
Menos aerodinâmica e mais ultrapassagens.
Por que a sua geração é diferente da dos pilotos dos anos 1980 e 1990?
O esporte se profissionalizou muito. Agora, os pilotos são muito mais jovens e é necessário ter um bom comportamento dentro e fora das pistas, além 100% preparado fisicamente. Antigamente víamos até pilotos fumando antes das corridas. Perdeu-se um pouco do fator humano, tudo parece mais robotizado, além da influência dos patrocinadores, os pilotos têm de trabalhar a imagem.
A tecnologia ajudou nessa robotização?
Sim. Hoje é preciso considerar todos os computadores, simulações e estratégias. Estamos muito limitados nos treinos e agora estão proibidos os testes durante a temporada. E só teremos 15 dias para treinar em fevereiro. Cabe às equipes ter bons equipamentos para ajustar os carros, simular trocas de marcha. Isso também contribui para perder um pouco do espetáculo.
O que aconteceria se durante a corrida não tivesse comunicação por rádio? Não seria mais interessante?
Não tinha pensado nisso, teríamos de tomar mais decisões. Até seria mais interessante, mas também bastante difícil. Cerca de 70% das instruções que nos passam dos boxes é para acertar os parâmetros do carro. Sem essas informações, os carros quebrariam porque dentro do cockpit não temos essas informações.
O resultado da equipe é mais importante que os resultados individuais?
Acredito que o individual do piloto ainda seja mais importante. Por exemplo, ninguém lembra quem foi o campeão de construtores de 1998 (McLaren), mas do piloto campeão naquele ano sim (o finlandês Mika Hakkinen, da McLaren). Por isso os pilotos tentam fazer o máximo para contribuir com o resultado de equipes, mas no final todos sabem que o resultado dos pilotos terá maior repercussão.
O que você tem a dizer sobre a estratégia adotada na Alemanha (quando Felipe Massa desacelerou propositalmente para que Alonso tomasse a liderança da prova)?
Cada um vê essa questão de um jeito. Respeito opiniões. Acredito no que a equipe tenta buscar. Para a Ferrari é importante um carro vermelho ganhar corridas e ganhar o campeonato. Na Alemanha, para a equipe, a melhor possibilidade era essa. É uma decisão da equipe que nos paga no final do mês e não uma opinião nossa. (O assessor de imprensa da Ferrari Luca Colajanni interrompe e diz que “a equipe não deu ordem nenhuma porque é proibido, o Felipe é quem calculou o que deveria fazer, e para garantir um bom resultado para a Ferrari tomou uma decisão própria”.)
Mas esse jogo de equipes não muda diretamente o resultado da prova?
Há opiniões para tudo, tem gente que pensa que o resultado foi mudado, tem gente que pensa que não adiantaria porque eu iria passar de qualquer maneira, cinco, seis voltas mais tarde, porque vinha mais rápido.
Quem é seu melhor amigo na Fórmula 1?
É difícil fazer uma amizade profunda com as pessoas que são seus rivais, não? Com as pessoas de sua equipe é mais fácil fazer amizades, com seus engenheiros, com seu agente, fisioterapeuta. Com aquelas pessoas com as quais você passa mais tempo.
Ganha-se mais amigos ou inimigos?
Certamente amigos. Mas também muitos inimigos e fãs. No final, o que interessa são seus amigos de sempre, os amigos da escola, a família.
Sua relação com o Felipe parece bem melhor que a que teve com Hamilton na McLaren.
Sim, é. Aprendemos a lidar com isso, pois passamos muito tempo juntos, indo a eventos, nos treinamentos, na fábrica. Depende de caráter, da personalidade de cada um. Com Hamilton certamente a relação era um pouco mais difícil, pois não compartilhávamos os mesmos valores. Com o Felipe é muito mais fácil, somos latinos, falamos italiano, por isso temos uma boa comunicação.
Considera o Felipe um amigo?
Considero amigos apenas algumas poucas pessoas do tempo de colégio. Na Fórmula 1, o Felipe seguramente é um dos melhores
fonte: abril.com